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Sucessos e Fracassos das Governanças da Sociedade

  • Foto do escritor: Carol Xavier
    Carol Xavier
  • 17 de jan. de 2022
  • 6 min de leitura

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Nos últimos anos, impulsionados pela situação de desequilíbrio econômico, institucional, social, ético e político do país, várias lideranças da iniciativa privada presentes nos municípios, nos seus mais variados tamanhos, têm buscado engajar a sociedade civil em uma ação de atuar, de forma mais efetiva e contínua, no plano de futuro das cidades. O processo de fortalecer e formar uma governança encontra-se em fases distintas nas cidades, algumas iniciaram há poucos meses, outras há dois ou três anos, e outras estão observando o processo para entender por onde começar. Governanças existentes há mais de dez anos no Brasil são poucas, sendo o Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá, na ativa há 22 anos, um dos exemplos.

Nas duas últimas décadas, algumas cidades tentaram formalizar a participação da sociedade civil e darem sequência à formação de um plano de desenvolvimento de futuro que fosse contínuo na linha do tempo e imune às mudanças de governos municipais, mas a grande maioria declinou. Os motivos que levaram à situação de declínio são os mesmos que podem atingir as governanças que atualmente estão sendo formadas, com o agravante ou impulsionador de que hoje estamos inseridos em um contexto de transformações tecnológicas e vulnerabilidades pouco visto na história nacional. Descrever sobre os motivos de fracassos e os de sucessos na formação, implantação e perenidade de uma governança da sociedade civil pode contribuir, de forma substancial, para os cidadãos que estão interessados, independente da fase em que se encontram.


Inicialmente, ao organizar a sociedade civil, seus integrantes deverão passar pela quebra da cultura protecionista, em que o Estado cuidará de cidadãos, para serem protagonistas, com novas atitudes, responsabilidades, pensamentos, planos e ações coletivas em prol do futuro da cidade. Citando José Bernardo Toro e Nísia Maria Duarte Furquim Werneck, “A escola pública é a escola de todos e não a escola do governo, os espaços públicos são espaços de todos e não espaços do governo e assim por diante. O resultado da confusão que fazemos é ficarmos, muitas vezes, esperando que o governo cuide do que nós, coletivamente, deveríamos cuidar. Encaramos coisas e atitudes como dádivas e favores do governo, não como coisas públicas, conquistas e direito da sociedade”.


Além de vencer a cultura protecionista, três barreiras devem ser rompidas para se alcançar a efetividade da governança, segundo José Bernardo Toro e Nísia Maria Duarte Furquim Werneck: o fatalismo, a desesperança e o “costume com a ruindade”. O fatalismo, quando se aceita conviver com situações que se condenam, e o antídoto é o apelo ao compromisso, ao comportamento e aos valores éticos das pessoas. Para a desesperança, o remédio é trabalhar o conceito de cidadania. É ele que aumentará a segurança, despertará a capacidade empreendedora coletiva e fará com que as pessoas se sintam poderosas para produzir mudanças. O “costume com a ruindade”, o sentimento de que sempre foi assim, que outros já tentaram (“eu já vi este filme”...). Transpor esse sentimento exige aceitar que é cada cidadão que o cria, com suas ações, suas omissões e suas permissões e delegações para que outros atuem em seu nome e que, por isso, se pode modificá-la.


Os cidadãos, sensibilizados para um pensar e agir na construção de um futuro coletivo, deverão sensibilizar tantos outros pares e, para tal, o grupo deve estar convencido e comungar do mesmo discurso e de um material de apresentação com um futuro atrativo, desafiador e com objetivos claros. “Ele deve tocar a emoção das pessoas. Não deve ser só racional, mas ser capaz de despertar a paixão. A razão controla, a paixão move” (José Bernardo Toro e Nísia Maria Duarte Furquim Werneck).


A exclusão de alguma entidade, formador de opinião, liderança pode gerar indisposições que desestimulem o avanço do movimento. Trata-se de uma ação em que não há espaço para heroísmo. É uma missão coletiva, construída a várias mãos, por pessoas comuns e com propósitos compartilhados. Pode ser que, de início, o número de engajados nem seja tão expressivo, porém, à medida que avançam na formação da governança, nos projetos e nas discussões, outros integrantes virão, pois verão que é possível agir e conseguir resultados coletivamente, estando seguros das razões das ações e de que os outros agirão com o mesmo propósito. O desligamento ou afastamento das lideranças da governança também pode ocorrer e não deve se constituir em problema, cada qual goza de total autonomia, seja como pessoa ou como representante de uma entidade, e o que cabe à governança é formar representantes para estarem aptos a ocuparem posições e minimizarem os impactos das alternâncias. É um aprendizado constante de confiança, coletividade e viabilização de ações.


Após a sensibilização, há a fase da mobilização, que é a transformação desse desejo e dessa consciência em disposição para a ação e na própria ação. Para que a governança avance, é necessário também designar pessoas como responsáveis por esta ou aquela providência, geralmente por meio de eleições, cada um pode assumir à medida que se sentir necessário, disponível e capaz. Outros dois aspectos a considerar é o fato que todos serão voluntários, com horários limitados, portanto, algum voluntário ou técnico terá que fazer a gestão de forma permanente na condução dos projetos, deliberações e estudos demandados. O segundo aspecto é pensar na sustentação financeira da governança, podendo ser com o aporte público e privado, privado ou só público, sendo essa uma questão relevante pela qual várias declinaram.


À medida que a governança caminha, haverá momentos de administração de conflitos de ideias e de condutas. De ideias, quando há a polemização, devendo-se buscar o diálogo e, quando isso não for possível, procurar ampliar as discussões, evitando que as pessoas sejam rotuladas de problema, o que as afastaria ainda mais. Não permitir que as críticas e as dificuldades sejam personalizadas. As propostas devem sempre refletir o que une as pessoas, não os seus pontos de discordância. Em conflitos de condutas, é necessário acionar as lideranças precursoras do movimento para que contribuam na geração de um clima de aceitação e interação. A solução não é medir força ou contrapor outra autoridade, mas dialogar com a entidade a qual representa para buscar um realinhamento de conduta ou a substituição, se for o caso.


O apartidarismo, o não envolvimento direto com partidos políticos tanto das entidades quanto dos conselheiros será fundamental para a continuidade da governança. A política a ser feita é o chamamento de todos os candidatos e políticos eleitos para serem sensibilizados, mobilizados, conhecerem os projetos e colaborarem com suas forças nas alçadas municipal, estadual e federal. Em havendo baixa adesão em um primeiro momento, a governança poderá trabalhar na ampliação dos sensibilizados, na mobilização e na formação de um plano de desenvolvimento de longo prazo, à espera de um momento mais adequado para uma nova abordagem, certamente mais fortalecida e organizada. Não se trata de imposição, nem mesmo da destituição de comando do gestor público, mas de uma parceria entre o público e a sociedade, buscando o desenvolvimento contínuo da cidade.


A comunicação tem contribuições fundamentais no processo de coletivização. Por meio da divulgação dos propósitos da mobilização e das informações e dados que justificam seus objetivos ampliarão as bases do movimento, dando-lhe abrangência e pluralidade. O cuidado deve vir em não sobrepor o escopo de outros movimentos, se não for previamente acordado, e também com a gestão pública. A governança deve administrar as expectativas criadas pela comunidade e pelo poder público, afinal, quem tem orçamento, mão de obra e estrutura é o Executivo. A governança tem articulação, representatividade (legitimidade), conhecimento do que quer para a cidade e direcionamentos para tal. Por certo a sociedade civil também fará seus investimentos, unirá projetos com o público, buscará, em conjunto, boas práticas e fundos, mas não com a robustez de recursos que o setor público tem. Esse pensamento crítico garantirá coerência e longevidade à governança.


Formada a governança, esta necessita se apropriar de uma pauta de trabalho, preferencialmente de um plano de desenvolvimento para a cidade de tal forma a se desenvolver de forma ordenada, antecipando as necessidades, coordenando esforços e estabelecendo um caminho para um horizonte que se constrói de forma coletiva. Estruturar a governança e não organizá-la em suas tarefas, a partir de um plano estratégico, pode incorrer em projetos segmentados e que não convergirão para iniciativas que efetivamente contribuirão para o desenvolvimento, com os riscos adicionais de sobrepor outras iniciativas e não ser legitimados por todos os interessados no tema.


Márcia Santin - Consultora e palestrante na área de formação de governança da sociedade civil e planejamento estratégico de cidades. Ex-diretora Executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (CODEM).



 
 
 

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